O que é o Jornalismo Literário?
 



Dica de Escrita

O que é o Jornalismo Literário?

Isabela Zampiron


Que o papel de um jornalista e o de um escritor tem similaridades não é surpresa para ninguém. Ambas as profissões exigem bom conhecimento de escrita e o hábito da leitura. Apesar das semelhanças, os textos de cada área são diferentes e, para unir os dois, foi criada uma vertente do Jornalismo.




O Jornalismo Literário é um movimento que surgiu nas redações estadunidenses. O objetivo era emplacar reportagens inesquecíveis, indo contra a tradicional objetividade e imparcialidade do Jornalismo.

Esse tipo de texto pode ser utilizado em abordagens mais profundas e com maior liberdade de linguagem e temática. Ou seja, contar um fato por meio de uma narrativa comumente encontrada na ficção.

Um dos maiores nomes do Jornalismo Literário é Truman Capote. Conhecido pelos seus livros "Bonequinha de luxo" e "A sangue frio", Capote marcou esse tipo de Jornalismo. Em "A sangue frio", um romance-reportagem, ele conta a história do assassinato sem motivo aparente da família Clutter no Kansas. Truman Capote buscou a reconstrução do crime passo a passo, finalizando com o enforcamento dos culpados. Aqui, ele faz um trabalho mais literário do que jornalístico, ressaltando o tema da violência urbana do início ao fim. Para compreender melhor, leia a seguir um trecho do livro:

"No que dizia respeito à sua família, o Sr. Clutter só tinha um motivo sério de preocupação - a saúde de sua mulher. Ela tinha "problemas nervosos", sofria "pequenas crises" - de acordo com as expressões delicadas usadas pelos que lhe eram próximos. Não que a verdade acerca dos "problemas da pobre Bonnie" fosse mantida em segredo; todos sabiam que volta e meia ela vinha consultando psiquiatras nos últimos seis anos."

Há várias perguntas acerca do Jornalismo Literário, uma delas sendo o porquê desse gênero atrair tanto os leitores. Vários questionamentos sobre esse tema foram respondidos por Tom Wolfe ao lançar o livro "Radical chique e o novo jornalismo", em 1963.

Infelizmente, o movimento foi perdendo a força com o passar do tempo. Para criar um romance-reportagem, é preciso maior tempo de apuração, escrita e revisão e mais espaço, o que não é possível muitas vezes. Além disso, com o advento cada vez maior das mídias sociais, estamos cada vez mais acostumados a ler textos curtos e rápidos.

Porém, os livros-reportagens ainda têm espaço no mercado editorial. Eles dividem a lista de obras de não-ficção com outros livros, como de autoajuda e biografias. Esse é o caso de "Ela disse: os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo", escrito por Jodi Kantor e Megan Twohey e que recentemente foi adaptado para os cinemas. Essa narrativa mostra a história da reportagem que denunciou os casos de assédio sexual cometidos por Harvey Weinstein, que resultou em um dos maiores furos jornalísticos da década e na criação do movimento #MeToo nas redes sociais.

No Brasil, o primeiro romance-reportagem que tivemos foi o clássico "Os sertões", de Euclides da Cunha, lançado em 1902. Euclides foi enviado para relatar a Guerra de Canudos pelo jornal em que trabalhava. O conflito era entre os moradores do Arraial do Cabo e os governos baiano e federal, durando quase um ano.

A narrativa é dividida em três partes e aborda fundamentos antropológicos, etnográficos e sociológicos. Na época, Euclides da Cunha não imaginava que estava fazendo um romance-reportagem, pois ainda não existia esse termo. Foi "Os sertões" que deu início a esse movimento no Brasil.

Há diversos livros-reportagens brasileiros. "A máquina do ódio: Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital", de Patrícia Campos de Mello, retrata um relato honesto sobre ameaças à liberdade de imprensa no Brasil e no mundo. Patrícia também conta sobre os bastidores de reportagens e os ataques de que já foi vítima.

Conversamos com Rodrigo Lopes, jornalista brasileiro premiado com especialização em Jornalismo Literário, que deu algumas dicas para quem quer começar no Jornalismo Literário. Rodrigo tem mais de 20 anos de experiência em jornalismo internacional, já foi enviado especial a mais de 30 países. É vencedor de vários prêmios ARI e do Prêmio Rey de España de Periodismo, entregue pelos reis espanhóis em Madrid.




"A principal dica é ir aberto, aceitar as idiossincrasias, os detalhes, as nuances das opiniões das pessoas, os sentimentos das pessoas, do modo de pensar das pessoas. É claro que qualquer jornalista deve fazer isso em qualquer reportagem, mas o Jornalismo Literário exige que tu estejas realmente aberto a compreender o outro. Claro que também dou como dica ter tempo, estar comprometido em compreender a situação como um todo e também se permitir estar presente no texto por meio daquilo que tu estás sentindo, daquilo que tu estás refletindo de forma a fazer digressões para que tu, como escritor, esteja presente no texto. Isso faz com que teu texto não seja apenas algo frio, inodoro, insípido, mas algo que vai marcar teu leitor."

Lopes destaca também que a apuração desse tipo de reportagem demanda maior profundidade e tempo do jornalista, focada em responder as perguntas de "como?" e "por quê?". Além disso, ele acredita que o Jornalismo Literário tem um papel importante na época em que diversas reportagens e notícias possuem o mesmo formato.

"Num momento em que o Jornalismo passa por importantes desafios, tanto no modelo de negócios quanto no nosso fazer do dia a dia, em que muitos jornais são muito parecidos, os textos são muitos pasteurizados, especialmente na área em que atuo, que é o noticiário internacional. O Jornalismo Literário surge como uma ferramenta muito importante para que se dê mais cor, mais gosto, mais emoção à narrativa. Acaba sendo um recurso que atrai o leitor. E que faz com que o leitor permaneça no texto e vá do início ao fim."

 

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